Aspectos legais relevantes da Ação de Investigação Judicial Eleitoral

Por: Hugo Frederico Vieira Neves


Objetivos da Ação de Investigação Judicial Eleitoral

A Ação de Investigação Judicial Eleitoral, também conhecida no mundo jurídico pela sigla AIJE, é uma ação de direito material tipicamente eleitoral, tendo se tornado a maior e mais importante ação nessa seara especializada da Ciência jurídica desde o advento da Lei Complementar n. 135/2010, conhecida como Lei Ficha Limpa.

Objetiva-se com essa ação combater o uso indevido de poder econômico, político ou de autoridade, seu desvio ou abuso, além do questionamento sobre a utilização indevida de veículos de comunicação social, a teor do que dispõe o caput do art. 22 da Lei Complementar n. 64/1990, também chamada de Lei das Inelegibilidades.

Presta-se, também, ao combate da captação ilícita de sufrágio, em benefício de candidato, partido político ou coligação, tudo a fim de garantir a normalidade e legitimidade do pleito, norma que está positivada no art. 41-A da Lei n. 9.504/1997 (Lei das Eleições).

Ainda, a AIJE pode ser manejada em razão da prática de condutas vedadas aos agentes públicos em campanha eleitoral, disciplinadas nos arts. 73 a 78 da Lei das Eleições, e em razão do art. 30-A da mesma Lei, que visa apurar condutas em desacordo com as normas de arrecadação e de gastos de recursos de campanha.

Embora seus prazos sejam exíguos, aspecto que caracteriza os processos de natureza eleitoral, esse tipo de ação obedece rigorosamente aos consagrados princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, a teor do que dispõe a cláusula do devido processo legal, como garantia expressa dos cidadãos, escrita no art. 5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal de 1988.

Nesse tipo de ação, há também a possibilidade de produção de provas, aplicando-se a ela o duplo grau de jurisdição após a sentença de primeiro grau ou a decisão colegiada proferida nos Tribunais Regionais Eleitorais.

Legitimados para a propositura da AIJE

A AIJE somente pode ser iniciada pelos legitimados descritos no art. 22 da Lei complementar n. 64/1990, quais sejam: partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral.

Cabe destacar que os três primeiros devem ser obrigatoriamente representados por advogados devidamente constituídos nos autos da ação. Já quanto ao Ministério Público, sua legitimidade decorre do disposto no art. 127 da Constituição Federal, uma vez que incumbe ao Órgão Ministerial a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Inúmeros são os julgados que abordam a legitimidade das partes nesse tipo de ação, inclusive para os partidos políticos que não participam das eleições. Vejamos o que diz a jurisprudência pátria:

A lei confere legitimidade aos personagens do processo eleitoral para defesa do interesse público de se coibir a prática de condutas tendentes a afetar a integridade do pleito, não importando se haverá, ou não, repercussão da decisão na esfera política do candidato. (AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL Nº 25.912, REL. MIN. CEZAR PELUSO, DE 14.2.2008).

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. ART. 22, CAPUT, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. LEGITIMIDADE DE QUALQUER PARTIDO POLÍTICO. NÃO-CONDICIONAMENTO À PARTICIPAÇÃO NAS ELEIÇÕES. INTERESSE PÚBLICO. LISURA. ELEIÇÕES. PROVIMENTO.
1. A titularidade da ação de investigação judicial eleitoral, nos termos do art. 22, caput, da Lei Complementar nº 64/90, é conferida a "qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral".
2. O objetivo de se ampliar o leque de legitimados e de incluir qualquer partido político, desde que regularmente registrado, é o de salvaguardar um interesse público de privilegiar a lisura do processo eleitoral.
3. Recurso a que se dá provimento, para ordenar o julgamento de mérito da demanda, pelo Eg. TRE de São Paulo.
(RESPE Nº 26.012, REL. MIN. JOSÉ DELGADO, DE 29.6.2006).

Aspecto relevante se revela quanto à possibilidade do eleitor propor a AIJE. A jurisprudência pátria dos Tribunais Eleitorais assentou o entendimento de que aquele não detém legitimidade. Vejamos:

Possuem legitimidade para o ajuizamento de representação visando a abertura de investigação judicial eleitoral apenas os entes arrolados no art. 22 da Lei Complementar no 64/90, entre os quais não figura o mero eleitor, conforme a reiterada jurisprudência do TSE.
O direito de petição consagrado no art. 5º, XXXIV, a, da Constituição, embora sendo matriz do direito de ação, com ele não se confunde, encontrando este último regulação específica na legislação infraconstitucional, daí decorrendo não poder ser exercido de forma incondicionada.
(RP Nº 1.251, REL. MIN. CESAR ROCHA, DE 30.11.2006).
O mero eleitor não é parte legítima para ajuizar pedido de abertura de investigação judicial, considerados os limites impostos pela Lei das Inelegibilidades, de natureza complementar, que estabelecem, quanto ao tema, nova disciplina, sem prejuízo da notícia de alegados abusos ao órgão do Ministério Público.
(EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA RP Nº 3176-32, REL. MIN. NANCY ANDRIGHI, DE 9.8.2011).

Quem pode figurar no pólo passivo de uma AIJE: legitimação passiva

Tanto o candidato quanto o agente que contribui para o ato ilícito que viola quaisquer dos dispositivos legais mencionados nos capítulos anteriores podem figurar no pólo passivo desse tipo de demanda judicial.

Neste ponto, importa destacar a situação de candidato a vice em chapa majoritária (vice-prefeito, vice-governador e vice-presidente). Nas hipóteses legais em que a propositura da AIJE puder ter como medida sancionatória a cassação do registro de candidatura ou do diploma outorgado ao candidato eleito, faz-se imprescindível a citação do candidato à vice da chapa majoritária, formando-se o litisconsórcio passivo necessário.

Nas demais hipóteses, cuja decisão implique somente na aplicação de multa, o litisconsórcio é facultativo, não havendo falar em vício insanável e, por conseguinte, em nulidade da ação por falta de citação do candidato a vice.

Assim ficou assentado na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, litteris:

PROCESSO. RELAÇÃO SUBJETIVA. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. CHAPA. GOVERNADOR E VICE-GOVERNADOR. ELEIÇÃO. DIPLOMAS. VÍCIO ABRANGENTE. DEVIDO PROCESSO LEGAL.
A existência de litisconsórcio necessário - quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes - conduz à citação dos que possam ser alcançados pelo pronunciamento judicial. Ocorrência, na impugnação a expedição de diploma, se o vício alegado abrange a situação do titular e do vice.
(RCED Nº 703, REL. DESIGNADO MIN. MARCO AURÉLIO, DE 21.2.2008)

CAPTAÇÃO DE SUFRÁGIO. COMINAÇÕES. CUMULATIVIDADE.
As cominações do artigo 41-A da Lei nº 9.504/1997 - multa e cassação do registro - são, necessariamente, cumulativas, alcançando os candidatos que figurem em chapa.
CAPTAÇÃO DE SUFRÁGIO. BENEFÍCIO. CHAPA. RELAÇÃO PROCESSUAL SUBJETIVA DUPLA. INOBSERVÂNCIA.
Uma vez formalizada a representação somente contra um dos candidatos da chapa, descabe a sequência do processo, sob a alegação de o pedido estar voltado apenas à cominação de multa.
(AGR-RESPE Nº 36.601, REL. MIN. MARCO AURÉLIO, DE 24.2.2011).

Eleições 2008. Cassação dos mandatos de prefeito e vice-prefeito por abuso de poder político. Corrupção. Ação de impugnação de mandato eletivo proposta tempestivamente apenas contra o prefeito. Litisconsórcio necessário unitário entre prefeito e vice-prefeito. Mudança jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral a ser observada para novos processos a partir de 3.6.2008. Ação proposta em 22.12.2008. Impossibilidade de citação ex officio do vice-prefeito após o prazo decadencial da ação. Constituição da República, art. 14, § 10. Precedentes do Tribunal Superior Eleitoral. Inaplicabilidade do art. 16 da Constituição da República. Razoabilidade. Agravo regimental ao qual se nega provimento.
(AGR-RESPE Nº 462673364, REL. MIN. CÁRMEN LÚCIA, DE 17.2.2011).

Recurso contra expedição de diploma. Vice. Polo passivo. Decadência.
1. Está pacificada a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o vice deve figurar no polo passivo das demandas em que se postula a cassação de registro, diploma ou mandato, uma vez que há litisconsórcio necessário entre os integrantes da chapa majoritária, considerada a possibilidade de o vice ser afetado pela eficácia da decisão.
2. Consolidada essa orientação jurisprudencial, exige-se que o vice seja indicado, na inicial, para figurar no polo passivo da relação processual ou que a eventual providência de emenda da exordial ocorra no prazo para ajuizamento da respectiva ação eleitoral, sob pena de decadência.
3. Não cabe converter o feito em diligência para que o autor seja intimado a promover a citação do vice, sob pena de se dilatar o prazo de três dias, contados da diplomação, para propositura do recurso contra expedição de diploma. Agravo regimental desprovido.
(AGR-RESPE Nº 35.942, REL. MIN. ARNALDO VERSIANI, DE 2.2.2010).

Tutela jurisdicional

Consoante se afirmou no primeiro capítulo, a AIJE objetiva combater: a) o uso indevido de poder econômico, político ou de autoridade, seu desvio ou abuso; b) a utilização indevida de veículos de comunicação social; c) a captação ilícita de sufrágio, em benefício de candidato, partido político ou coligação; d) a prática de condutas vedadas aos agentes públicos em campanha eleitoral; e, e) as condutas em desacordo com as normas de arrecadação e de gastos de recursos de campanha.

Em se tratando de tutela jurisdicional, a AIJE visa proteger, portanto, bem jurídico de titularidade coletiva, com o objetivo de resguardar a estabilidade das eleições e o regime democrático manifestado pela soberania do voto popular. Portanto, mister se faz o delineamento das condutas tidas por ilícitas pelo legislador ordinário.

Nas palavras de Rodrigo López Zílio1 , o abuso de poder "é conceituado como qualquer ato, doloso ou culposo, de inobservância das regras de legalidade, com consequências jurídicas negativas na esfera do direito".

Nesse contexto, a doutrina2 define o abuso de poder econômico quando "o uso indevido de parcela do poder financeiro é utilizado com o intuito de obter vantagem, ainda que indireta e reflexa, na disputa do pleito."

A seu turno, Joel José Cândido3 conceitua o abuso de poder de autoridade "é a prática, em todo o período das campanhas eleitorais, por quem exerce autoridade estatal, de atos inerentes a cargos ou funções públicos que venham a favorecer, direta ou indiretamente, partido político, coligação ou candidato."

Para o festejado autor, o abuso de poder político "é o uso indevido de cargo ou função pública, com a finalidade de obter votos para determinado candidato". Portanto, o abuso de poder político é descrito como "a atividade ímproba do administrador, com a finalidade de influenciar no pleito eleitoral de modo ilícito, desequilibrando-o"4.

A inclusão legislativa do inciso XVI na Lei complementar n. 64/1990, por meio da Lei complementar n. 135/2010, fez com que a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição deixasse de ser considerada. Todavia, deve o magistrado ou Tribunal atentar para a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

A AIJE também é usada para combater o crime de compra de votos que, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/1997, com as alterações procedidas pela Lei n. 9.840/1999, "constitui captação de sufrágio, vedada por esta lei, o candidato doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição".

De acordo com Marlon Reis5, a "captação ilícita de sufrágio é a expressão jurídica que designa o fenômeno da compra de votos, ou seja, a alienação ou tentativa de alienação do direito de opção eleitoral em troca de um valor manifestado sob a forma de bem ou vantagem de qualquer natureza".

Para que fique configurada a captação ilícita de sufrágio no ajuizamento de uma AIJE são necessários os seguintes requisitos, cuja ocorrência deve ser concomitante:

a) prática de uma das condutas descritas no art. 41-A da Lei n. 9.504/1997: doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou qualquer outra vantagem, e praticar atos de violência ou grave ameaça com o fim de obter votos;

b) existência de uma pessoa física (eleitor), ainda que não tenha sido identificado;

c) fim a que se propõe o agente, qual seja, obtenção de votos.

Embora não se exija a potencialidade para influir no pleito e a participação direta do beneficiado, para a captação ilícita de sufrágio deve haver elementos probatórios sólidos, incontroversos e bem delineados.

Isso significa dizer que indícios e suposições baseados em meras declarações sem credibilidade são insuficientes para aplicação das sanções para a prática de compra de votos.

Sanções decorrentes da decisão de procedência da AIJE

No que toca ao uso indevido de poder econômico, político ou de autoridade, seu desvio ou abuso, à utilização indevida de veículos de comunicação social, à captação ilícita de sufrágio e às condutas em desacordo com as normas de arrecadação e de gastos de recursos de campanha, tem-se como sanções, uma vez julgada procedente a AIJE, a inelegibilidade por 8 anos e a cassação do registro ou do diploma, na hipótese dos representado terem sido eleitos.

A inelegibilidade alcança não somente o candidato beneficiado, mas também todos aqueles que, estando no pólo passivo da ação, contribuíram para a prática do ilícito eleitoral.
A seu turno, a sanção de cassação do registro ou diploma alcança o candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação.

Tocante às condutas vedadas positivadas na Lei das Eleições, não há falar em inelegibilidade, uma vez tratar-se de Lei ordinária. Suas sanções são a suspensão imediata da conduta vedada, multa no valor de 5 a 100 mil UFIRs, bem como a cassação do registro ou diploma.

Entretanto, com o advento da Lei Complementar n. 135/2010, foi incluída a alínea "j" do inciso I, do art. 1º da Lei das inelegibilidades, de tal forma que se tornam inelegíveis por 8 anos os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem a cassação do registro ou do diploma.

Isso significa dizer que as sanções decorrentes das condutas vedadas - quando a decisão transitar em julgado ou for proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral - passaram a ensejar a inelegibilidade, o que antes da Lei Ficha Limpa não era possível em razão da Lei 9.504/1997 ser uma lei ordinária.

A Lei Ficha Limpa trouxe ainda uma inovação legislativa ao alterar a redação do inciso XIV da Lei Complementar n. 64/1990, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral para instauração de processo disciplinar e, se for o caso, de ação penal, juntamente com quaisquer outras providências que a espécie comportar.

O princípio da celeridade na AIJE ante a importância do bem jurídico tutelado

Um último aspecto relevante a ser destacado quanto à AIJE restou incluído na Lei eleitoral por meio da Lei n. 12.034/2009 e se refere ao princípio constitucional da duração razoável do processo.

O art. 97-A, incluído na Lei das Eleições (Lei n. 9.504/1997) estabelece que, nos termos do inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, duração razoável que possa resultar em perda de mandato eletivo é mensurada no período máximo de 1 (um) ano, contado da sua apresentação à Justiça Eleitoral.

O § 1º do mesmo artigo esclarece que tal duração abrange a tramitação em todas as instâncias da Justiça Eleitoral.

Por fim, na hipótese de descumprimento desse prazo, o legislador ordinário estabeleceu, no § 2º do art. 97-A a faculdade aos candidatos, partidos ou coligações de representar ao Tribunal Regional Eleitoral contra o Juiz Eleitoral que não observar tal regra.

Percebe-se, neste aspecto, a absoluta preocupação do Congresso Nacional com a segurança jurídica do direito eleitoral nas hipóteses em que está judicializada matéria que envolva o direito político de ser votado, ou seja a capacidade eleitoral passiva.

Preocupação esta que decorre do respeito à vontade emanada das urnas, tudo sem descuidar do controle da equidade e da lisura dos pleitos eleitorais.

Notas

1 ZÍLIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral, São Paulo: Verbo Jurídico, 2008, p. 381/382.

2 Op. cit., p. 382.

3 CÂNDIDO, Joel José. Direito Eleitoral Brasileiro, 13ª ed., São Paulo: Edipro, 2008, p. 142.

4 Instituições de Direito Eleitoral, 7ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 353

5 REIS, Márlon Jacinto. Uso eleitoral da máquina administrativa e captação ilícita de sufrágio. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 23.

Palestrante e Professor de Direito Eleitoral pela Escola do Legislativo de Santa Catarina. Servidor do TRE/SC. Especialista em Direito do Estado pela Universidade Anhanguera. Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí. Licenciado em Letras pela Universidade Federal de Santa Catarina.


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