Lei n. 12.891/2013: a restrição à atividade de imprensa nas prévias partidárias - isonomia eleitoral e direito à informação, segundo o princípio constitucional da proporcionalidade

Por: Vagner Felipe Kühn / Maurício Zandoná *


1 Introdução

O presente estudo pretende investigar se o art. 3° da Lei n. 12.891/2013, o qual insere o parágrafo único no art. 36-A da Lei n. 9.504/1997, é constitucional.

Com base em método dedutivo, em revisão bibliografia, normativa e jurisprudencial, são recuperados conceitos e informações indispensáveis para a elucidação do tema proposto.

No primeiro capítulo do desenvolvimento, item 2, é apresentado um panorama da relatividade dos direitos fundamentais à liberdade de manifestação de pensamento e à liberdade de imprensa, não apenas no Brasil, mas também na tradição anglo-saxônica, donde emergiu a lição doutrinária de vedação à censura prévia. Além disso, é discorrido sobre a inconsistência histórica da proibição de censura no Brasil e sobre as limitações impostas à imprensa pelo princípio da isonomia entre os candidatos.

No item 3, são abordadas algumas espécies de limitações à atividade da imprensa antes e durante o pleito eleitoral, atentando-se à problemática do tratamento privilegiado de candidatos, nos diferentes meios de comunicação, social ou não, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral.

Na sequência, item 4, refere-se à fundamentação teórica e a justificativa para utilização do princípio da proporcionalidade como instrumento hermenêutico no controle de constitucionalidade, com alusão às máximas que o compõem.

Ao final, no item 5, manejando o princípio da proporcionalidade e as promessas trazidas pelo Projeto de Lei da Câmara de Deputados n. 6397/2013 que originou Lei n. 12.891/2013, é realizada a apreciação da constitucionalidade da proibição da cobertura ao vivo das prévias eleitorais pelas emissoras de rádio e televisão.

Em um país onde, historicamente, tantas vezes as liberdades civis foram suprimidas ou relativizadas, a avaliação de mudança recente do modelo eleitoral, à luz da constituição, constitui fator de proteção da democracia tão ferrenhamente buscada e há tão pouco tempo conquistada – uma das grandes preocupações do Direito na sociedade contemporânea.

2 A liberdade de imprensa como valor relativo na ordem constitucional

A Constituição Federal de 1988 tutela, em seu art. 5°, inciso XIV, o direito "[...] ao acesso à informação [...]"e resguarda o "[...] sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional". (Brasil, 1988, 5).

A liberdade de manifestação de pensamento também vem garantida no inciso IV do mesmo artigo, ao se dispor que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". (Brasil, 1988, 5).

Em linhas gerais, desde o preâmbulo constitucional, ao se adjetivar como democrático o Estado que se pretendia constituir pela Lei Maior, ressalva-se, indiretamente, a possibilidade de livre circulação de ideias. Isso porque é corolário à democracia, sistema que permite a escolha dos titulares do poder público pelo conjunto da sociedade, o debate sobre méritos e deméritos dos cidadãos que almejam esses importantes postos. (Bonavides, 2000, 265-8).

Todavia, se é verdade que a liberdade de expressão é acolhida pela Constituição Federal 1988, também é correto dizer que não se pode considerá-lo um valor absoluto, isto é, não é um direito a vigorar em todas as hipóteses em que seja invocado. (Neves, 2010, 286-332). Não foi esquecido pelo constituinte o direito fundamental à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (inciso X do art. 5° da CF), tampouco a possibilidade do exercício do direito de resposta (inciso V do art. 5° da CF), ao se asseverar que "é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem". (Brasil, 1988, 5).

O valor resguardado pelas normas constitucionais atinentes à possibilidade de circulação de ideias encontra, portanto, potencial limitação por outros valores, também caros à ordem constitucional. Atestar que a liberdade de manifestação de pensamento e a liberdade de imprensa não são absolutos não significa seu esvaziamento, mas a atenção ao fato de que diversos valores previstos pela norma constitucional devem ser compatibilizados, equalizados. (Freitas, 2006, 183).

O próprio art. 5°, inciso IX, da Constituição Federal parece antever a possibilidade dessa potencial antinomia, rechaçando sistemas institucionalizados que pretendam uma aprovação prévia de conteúdo, ao estipular que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença". (Brasil, 1988, 5).

A opção por rechaçar a censura ou licença prévia teve no pensamento de Blackstone (1979, 151-2) um de seus primeiros defensores, marco da tradição liberal inglesa. Em obra que pretendia sistematizar o direito inglês do Século XVIII, lançou as bases do que viria a se constituir como o direito à liberdade de imprensa. Era o início da doutrina da proibição da censura prévia, que viria a influenciar não apenas o direito inglês, mas também o americano (Churchill, 2009, 394-564) e até mesmo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da França de 1789. (Vincent, 1912, 10-25).

Conforme Blackstone (1979, 151-2), a liberdade de imprensa pressupõe a possibilidade de expressão das ideias, sem qualquer censura prévia, ainda que não se afaste a possibilidade de punição daquele que publica algo malicioso, ilegal ou temerário:

The liberty of the press is indeed essential to the nature of a free state: but this consists in laying no previous restraints upon publications, and not in freedom from censure for criminal matter when published. Every freeman has un undoubted right to lay what sentiments he pleases before the public: to forbid this, is to destroy the freedom of the press: but he publishes what is improper, mischievous, or illegal, he must take the consequence of his own temerity.

Concepção essa que ganha força, no Século XIX, com a obra de Mill (1989), segundo o qual a diversidade de expressões de pensamento dispostas abertamente em sociedade imprime o debate necessário para que o cidadão, ao final, possa decidir qual julga mais acertada.

Utilizando a metáfora do mercado de ideias ilustra o que compreende ser uma competição de juízos contrários. A quantidade de informação é diretamente relacionada à qualidade da verdade a ser escolhida, por cada um. Contexto em que apenas a penalização a posteriori pelo Estado, diante do abuso do direito à expressão, faria sentido. A liberdade de manifestação de pensamento é tese central da obra do autor, pois é indispensável para que se constitua o único local em que, segundo esse filósofo, o individuo é verdadeiramente livre: sua mente. (Mill, 1989).

A Constituição do Império do Brasil, de 1824 (na época, escrevia-se "Brazil"), com nítida influência liberal, seguiu essa tradição, dispondo, no inciso IV do art. 179 o seguinte:

Todos podem communicar os seus pensamentos, por palavras, escriptos, e publica-los pela Imprensa, sem dependencia de censura; com tanto que hajam de responder pelos abusos, que commetterem no exercicio deste Direito, nos casos, e pela fórma, que a Lei determinar. (Brasil, 1824).

Direito reprisado no § 12 do art. 72 da Constituição Federal de 1891 (Brasil, 1891) e no item "9" do art. 113 da Constituição Federal de 1934 (Brasil, 1934), mas relativizado pela Constituição Federal de 1937, a qual aduzia, em seu art. 122, item "15", alínea "a", que:

15) todo cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento, oralmente, ou por escrito, impresso ou por imagens, mediante as condições e nos limites prescritos em lei. A lei pode prescrever: a) com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da radiodifusão, facultando à autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou a representação; (Brasil, 1937).

Cumpre enfatizar, portanto, que a origem da tradição brasileira em refutar a censura prévia, proteger a liberdade de imprensa e a manifestação de pensamento não impediu que, mais de um século depois de ser cunhada em um texto constitucional, pela primeira vez, tal garantia tenha sido suprimida.

A censura, instituída pela Constituição Federal de 1937 (Brasil, 1937) seria afastada pelo disposto no §5º do art. 141 da Constituição Federal de 1946 (Brasil, 1946), para retornar no contexto dos Atos Institucionais do Golpe Militar de 1964. (Neto, 2013, 276-311).

A censura segundo a Constituição vigente, como antes referido, foi afastada, ainda que se tivesse mantido, em diversos textos infraconstitucionais, a possibilidade de restrição à atividade da imprensa e à livre manifestação de pensamento, no período eleitoral, ao argumento da busca do tratamento isonômico entre os candidatos.

Destarte, mesmo que não se questione a utilização de um sistema de censura prévia, nos moldes do implantado pelo Estado Novo e pelo Regime Militar, a amplitude de acesso ao Poder Judiciário, insculpida na garantia constitucional disposta no inciso XXXV do art. 5° da Constituição Federal de 1988, a qual permite que este atue para evitar lesões a direito, tem oposto, no caso concreto, sensível relativização ao direito à liberdade de imprensa e de manifestação de pensamento. (Brasil, 1988).

Hipóteses que ganham relevo no contexto da Justiça Eleitoral, já que este ramo do Poder Judiciário não apenas tem competência para conhecer de conflitos, mas também tem poderes para gerir, administrativamente, os atos relacionados ao pleito.

Essa relativização à atuação da imprensa influenciou o legislador infraconstitucional a manejar esses valores constitucionais. Algo que se percebe na Lei n. 12.891/2013, em análise neste estudo. (Brasil, 2013).

3 As restrições à livre manifestação de pensamento previstas na legislação eleitoral e a preservação da isonomia entre candidatos

Ainda que a Constituição Federal de 1988 não traga tal relativização, expressamente, em seu texto, uma interpretação sistemática garantiu a recepção de diversas normas gestadas à época do Regime Militar (por vezes ampliadas), sendo mantido na tradição jurídica brasileira o argumento da possibilidade de restrição à liberdade de imprensa e de manifestação de pensamento, algum tempo antes e durante as eleições. A democracia representativa e os limites impostos para sua atuação, afixados pelo poder constituinte originário, entretanto, estão em constante tensão também nesta temática. (Barroso, 2010, 88-94).

Compreende-se que apenas a busca da paridade, da isonomia (garantia constitucional assegurada no inciso I do art. 5° da CF/1988) entre os candidatos, permitiria que a legitimidade da escolha feita pelo cidadão e, consequentemente, do próprio mandato. (Brasil, 1988).

O valor isonomia entre candidatos foi expressamente enunciado pela Constituição Federal de 1988, como fator de legitimação do mandato, pois se autoriza, no § 9º de seu art. 14, a edição de Lei Complementar para tratar de inelegibilidade, de modo resguardar a "probidade administrativa", a "moralidade para exercício de mandato" e, ainda, "a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta". Valor esse também presente em outras normas constitucionais, como o § 10 e § 7º do art. 14. (Brasil, 1988).

Não cabe, neste estudo, reproduzir toda a vasta gama de limitações à livre manifestação de pensamento imposta aos candidatos e seus pares, mas observar os fundamentos utilizados pelo ordenamento para impedir a manifestação de pensamento expressada pela imprensa e pelos formadores de opinião para, ao final, confrontar essa perspectiva com o que vem proposto no art. 3° da Lei n. 12.891/2013, o qual insere o parágrafo único no art. 36-A da Lei n. 9.504/1997. (Brasil, 2013).

3.1 O tratamento privilegiado em jornais e revistas

No que é pertinente aos jornais e revistas, admite-se que "[...] o editorial emita opinião favorável ou desfavorável a algum candidato, como também lhe dê tratamento privilegiado, desde que não seja matéria paga [...]". (Castro, 2012, 310).

Desse modo, admitida e limitada a propaganda paga, é permitido que um jornal ou uma revista manifestem-se favoráveis a um candidato, desde que sem onerosidade, ressalvada a possibilidade de responsabilização pelo abuso de tal direito, tanto no âmbito criminal (Lei n. 4737/1965, arts. 323, 324, 325 e 326), como no âmbito cível (Lei n. 4737/1965, art. 243, §1º e §2º), além do direito de resposta (Lei n. 4737/1965, art. 243, §3º, e Lei n. 9.504/1997, art. 58). (Brasil, 1965a; Brasil, 1997b).

O Tribunal Superior Eleitoral, ao julgar o Recurso Ordinário n. 1460, Relator Min. Marcelo Henrique Ribeiro de Oliveira, firmou entendimento de que essa opção política do periódico impresso não pode ser utilizada para gerar desequilíbrio no pleito eleitoral, não podendo a panfletagem se revestir de suposto periódico gratuito. (Brasil, 2009b).

Como compreendeu o Ministro Sepúlveda Pertence, em voto no acórdão n. 19.438/01, cujo relator designado foi o Ministro Luiz Carlos Lopes Madeira, decisão do Tribunal Superior Eleitoral, o tratamento diferenciado de jornais e revistas frente ao rádio e à televisão considera o fato de que estes funcionam a partir de concessões, permissões ou autorizações do Poder Público, ao contrário daqueles – regidos por maior liberdade de conteúdo. E, além disso, constituem meios de acesso à informação com dinâmicas absolutamente diversas: "[...] basta frisar a voluntariedade do acesso ao veículo impresso em contraposição à invasão quase compulsória que os outros veículos representam. [...]". (Brasil, 2001, 1012).

3.2 O tratamento privilegiado em rádio e televisão

Não é possível o pagamento de propaganda em rádio e televisão, sendo que os candidatos deverão ficar adstritos à propaganda eleitoral gratuita. (Almeida, 2013, 390).

Pelo que aduz o art. 45 da Lei n. 9.504/1997, depois de 1° de julho do ano da eleição, as emissoras de televisão e rádio, não poderão exercitar a mesma amplitude de sua liberdade de criação e expressão. Nada do que fizerem, de maneira expressa ou escamoteada, poderá refletir a opção ou crítica relativa a candidato, partido ou coligação. (Brasil, 1997).

Logo, até mesmo as narrativas de fatos jornalísticos, nos noticiários, deverá seguir tal regra, de modo a que seja preservada a isonomia eleitoral. (Castro, 2012, 310). Não se fala, contudo, em impossibilidade absoluta de sua atividade.

3.3 A restrição à atividade de imprensa e à manifestação de pensamento na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral

A tensão existente entre a liberdade de imprensa e manifestação de pensamento e a necessidade de se garantir a isonomia eleitoral foi, recentemente, objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, na Ação Direita de Inconstitucionalidade n. 4451, o qual deferiu medida liminar acerca dos incisos I e II do art. 45 da Lei n. 9.504/1997. (Brasil, 2012, 277).

O voto do Ministro Ayres Britto, em linhas gerais, mitigou os efeitos do referido dispositivo, reafirmando a importância do direito fundamental à liberdade de imprensa, que não é compatível com a ideia da institucionalização da censura prévia, ainda que também tenha asseverado que as emissoras de rádio e televisão não podem, com sua atuação, abusar do poder que lhes é conferido:

[...] Não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. Dever de omissão que inclui a própria atividade legislativa, pois é vedado à lei dispor sobre o núcleo duro das atividades jornalísticas, assim entendidas as coordenadas de tempo e de conteúdo da manifestação do pensamento, da informação e da criação lato sensu. Vale dizer: não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, pouco importando o Poder estatal de que ela provenha. Isso porque a liberdade de imprensa não é uma bolha normativa ou uma fórmula prescritiva oca. Tem conteúdo, e esse conteúdo é formado pelo rol de liberdades que se lê a partir da cabeça do art. 220 da Constituição Federal: liberdade de "manifestação do pensamento", liberdade de "criação", liberdade de "expressão", liberdade de "informação". Liberdades constitutivas de verdadeiros bens de personalidade, porquanto correspondentes aos seguintes direitos que o art. 5º da nossa Constituição intitula de "Fundamentais": a) "livre manifestação do pensamento" (inciso IV); b) "livre [...] expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação" (inciso IX); c) "acesso a informação" (inciso XIV) [...]. (Brasil, 2012a, 277).

Suspendeu-se a eficácia da expressão "ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes", de que trata o inciso III do art. 45 da Lei n. 9.504/1997, para se afirmar que "se estará diante de uma conduta vedada quando as críticas ou matérias jornalísticas venham a descambar para a propaganda política, passando nitidamente a favorecer uma das partes na disputa eleitoral". (Brasil, 2012a, 277).

E, o que se quer destacar com ênfase, foi a suspensão da eficácia do inciso II e dos §§ 4º e 5º do art. 45 da Lei n. 9.504/1997, incluídos pela Lei n. 12.034/2009, com fundamento de que não se poderia "coibir um estilo peculiar de fazer imprensa:aquele que se utiliza da trucagem, da montagem ou de outros recursos de áudio e vídeo como técnicas de expressão da crítica jornalística, em especial os programas humorísticos", vez que o espírito de qualquer limitação não está na forma da expressão jornalística, mas em seu conteúdo. O próprio voto, diga-se de passagem, confirma ser essa a posição diversas vezes afirmada pelo Tribunal Superior Eleitoral. (Brasil, 2012c).

Tirocínio esse indispensável à apreciação da constitucionalidade, sob o prisma do princípio da proporcionalidade, da inovação legislativa objeto deste estudo.

4 O princípio da proporcionalidade: instrumentos hermenêuticos para o controle de constitucionalidade

Nem mesmo os Estados Unidos da América, que cunharam, expressamente, em sua Primeira Emenda Constitucional, a vedação à edição de leis pelo Congresso as quais restrinjam a liberdade de imprensa e de livre manifestação de pensamento, deixaram de debater, profundamente, sobre os limites dessa liberdade, à luz de outros valores também defendidos pelo ordenamento. Principalmente, quando a questão envolveu a liberdade de imprensa no contexto de críticas e questionamentos a pessoas com cargos ou funções no Estado. (Estados Unidos da América, 1791). 1

Como Dworkin (2006, 311) explica, não obstante a Primeira Emenda, a Suprema Corte americana, desde 1964, no caso New York Times vs. Sullivan, tem compreendido que existe a possibilidade de responsabilização da imprensa pelo abuso de seu direito de informar. Hipótese restritiva, mas que revela não se tratar, mesmo naquele sistema jurídico, de direito absoluto:

Na decisão Sullivan, a Corte afirmou que, a partir desse dispositivo constitucional, se conclui que nenhum servidor público ou ocupante de cargo público pode ganhar uma ação contra a imprensa, a menos que prove não só que a acusação feita contra ele era falsa e nociva, mas também que o órgão de imprensa fez essa acusação com "malícia efetiva" – que os jornalistas não só foram descuidados ou negligentes ao fazer as pesquisas a reportagem, mas que a publicaram sabendo ela era falsa ou com "temerária desconsideração" (reckless disregard) pela veracidade ou falsidade das informações ali contidas.

É patente, desse modo, na tradição anglo-saxônica, com grande influência das teorias jusnaturalistas formuladas na Inglaterra dos Séculos XVII e XVIII, a utilização do princípio da razoabilidade. Princípio esse que, mesmo apresentando origem diversa do princípio da proporcionalidade, de matriz europeia (principalmente alemã), tem sido aplicado de modo unificado pelo Supremo Tribunal Federal. (Branco, 2006, 131-132, 138).

Na lição de Branco (2006, 135-6), aqui acompanhada, "o princípio da proporcionalidade contém o princípio da razoabilidade, na medida em que este consiste em apenas um dos elementos da proporcionalidade, a adequação". O princípio da proporcionalidade, segue o mencionado autor, é "muito mais amplo", apresenta "lógica de regra" que deve atentar para três elementos: "adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito".

Não passa desapercebido, além disso, a Alexy (1993, 111) a íntima conexão entre a teoria dos princípios e a máxima da proporcionalidade, vez que o próprio caráter de princípio impõe a observância dos três elementos integradores da proporcionalidade antes referidos.

4.1 A utilização do princípio da proporcionalidade para a avaliação da constitucionalidade de leis ou atos normativos pelo Supremo Tribunal Federal

O Supremo Tribunal Federal tem utilizado o princípio da proporcionalidade como instrumento de avaliação da constitucionalidade de uma norma, vez que tal princípio sintetiza a própria sistemática da superação de aparentes antinomias entre os valores constitucionais. (Brasil, 2012b).

Sistemática essa que foi aplicada, por exemplo, na avaliação da constitucionalidade de uma das mais rumorosas alterações da legislação eleitoral da última década: a Lei Complementar n. 135, que estabeleceu critérios de restrição ao ingresso de candidatos nas disputas eleitorais. Situação em que houve, para o debate sobre sua constitucionalidade, o expresso manejo das três máximas relacionadas ao princípio:

[...] O princípio da proporcionalidade resta prestigiado pela Lei Complementar n. 135/10, na medida em que: (I) atende aos fins moralizadores a que se destina; (II) estabelece requisitos qualificados de inelegibilidade e (III) impõe sacrifício à liberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo que não supera os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o exercício de referido munus publico [...]. (Brasil, 2012b).

Justificada, assim, a utilização do princípio da proporcionalidade para a investigação proposta, há que se desvendar seus elementos integradores.

4.2 Adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito

Constituído o princípio da proporcionalidade por suas três máximas – adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito -, imperativo, para que devidamente utilizados, estabelecer os critérios de aplicação e as justificativas que os acompanham.

No que é pertinente à "adequação", o plano de análise da norma a ser observada não deve deixar de considerar a autonomia entre os poderes do Estado. Isso porque a exigência de uma adequação máxima da norma ao fim a que se propõe implicaria uma reforma integral e irrestrita da autonomia de seu criador, a subversão da autonomia constitucional para a criação de normas por um Poder e, consequentemente, a supressão do princípio da separação dos poderes – imprescindível para o Estado Constitucional Democrático de Direito. (Áviala, 2004, 116-121).

Caso optasse pela busca de uma adequação máxima, en passant, ao argumento do manejo de princípios, o jurista apenas estaria reproduzindo as dúvidas e inquietações do discurso preponderantemente político. (Streck, 2013, 81-5). Interpretar não pode representar justificativa para a discricionariedade, não equivale a escolher, vez que não está na pura e simples cognição subjetiva do intérprete a verdade possível do direito. (Streck, 2010,103-118).

Desse modo, pelo que ressalta Ávila (2004, 121), "o exame da adequação só redunda na declaração de invalidade da medida adotada pelo Poder Público nos casos em que a incompatibilidade entre o meio e o fim for claramente manifesta".

Em outras palavras, deve o jurista que maneja o princípio atentar para o fato de que não se trata da análise do melhor meio a alcançar o fim, mas da identificação de um meio que, de modo muito claro, não tem como o atingir.

O exame da "necessidade", por seu turno, implica a comparação do meio adotado pela norma com outros, os quais poderiam ter sido escolhidos pelo criador da mesma, de modo a que seja observado se representam a medida mais apta a promover um fim, sem restringir outros direitos afetados. Se acaso apresenta, portanto, a melhor relação custo-benefício.

Por derradeiro, a "proporcionalidade em sentido estrito" estabelece "a comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade da restrição dos direitos fundamentais". Indica uma reflexão acerca da proporcionalidade entre o benefício que se pretende alcançar (os valores que se pretende tutelar) e o custo desse processo (os direitos fundamentais que serão restringidos pela medida). (Ávila, 2004,124).

5 O art. 3° da Lei n. 12.891/2013, que insere o parágrafo único no art. 36-A da Lei n. 9.504/1997: busca de isonomia no processo eleitoral e liberdade de imprensa à luz do princípio da proporcionalidade

O Projeto de Lei da Câmara de Deputados n. 6397/2013, que originou a Lei n. 12.891/2013, expressava, em sua ementa originária, além da indicação das normas que pretendia alterar, a intenção de "diminuir o custo das campanhas eleitorais", com a alusão a "outras providências". (Brasil, 2013).

A expressão "outras providências", todavia, foi retirada da ementa, mas o referido Projeto de Lei não deixou de ter impacto em outros temas alheios ao objetivo declarado de redução dos custos das campanhas eleitorais. (Brasil, 2013).

A Lei n. 12.891/2013, em seu art. 3°, insere o parágrafo único no art. 36-A da Lei n. 9.504/1997, com a seguinte redação: "Parágrafo único. É vedada a transmissão ao vivo por emissoras de rádio e de televisão das prévias partidárias". (Brasil, 2013, grifos nossos).

A alteração do art. 36-A da Lei n. 9.504/1997, trazida pela Lei n. 12.891/2013, indica a intenção de afastar do conceito jurídico de propaganda antecipada diversas formas de manifestação de pensamento e práticas da imprensa (aparentemente, buscando ampliar as alterações outrora trazidas pela Lei n. 12.034/2009). (Brasil, 2013). 2

Consta, portanto, no texto do inciso III do art. 36-A agregado à Lei n. 9.504/1997, pela Lei n. 12.891/2013, a possibilidade da divulgação das prévias partidárias pelas redes sociais. Ironicamente, o parágrafo único do mesmo dispositivo (objeto de análise deste estudo) impede a "transmissão ao vivo por emissoras de rádio e de televisão" dessas prévias. (Brasil, 2013).

Rádio e televisão ficariam impedidas de acompanhar a agilidade da difusão de informação que é autorizada às redes sociais, em verdadeira restrição institucional prévia.

Por uma interpretação literal do dispositivo em análise, muitas formas de expressão, atinentes à articulação partidária pré-campanha, estariam autorizadas, podendo ser objeto de divulgação pela imprensa, sendo que os meios de comunicação social, rádio e televisão, deveriam observar tratamento isonômico em suas coberturas jornalísticas.

No caput e nos incisos do evidenciado art. 36-A, foram seguidos critérios já amparados por decisões do Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal Superior Eleitoral, como anteriormente mencionado. Percebe-se a tentativa da preservação da liberdade de manifestação de pensamento, da liberdade de imprensa e sua compatibilização com a busca da isonomia no pleito eleitoral, com a conformação dos meios de comunicação social às limitações impostas à sua missão pela própria Constituição Federal. (Brasil, 2013).

Entretanto, o parágrafo único do art. 36-A cria impedimento de forma – restrição prévia (que faz recordar a noção de censura prévia); não de conteúdo. Impõe, assim, restrição ao modo de trabalho dos meios de comunicação social, rádio e televisão, os quais não poderão difundir, ainda que com respeito ao critério da isonomia, informações relacionadas às prévias eleitorais, em manifestação "ao vivo".

Conforme exarado, o direito à livre manifestação de pensamento e a liberdade de imprensa não são absolutos na Constituição Federal de 1988. Mas é imperativo o questionamento: essa restrição de liberdades se coaduna como o princípio constitucional da proporcionalidade? O que há nas prévias eleitorais a merecer tamanha proteção por meio da restrição de forma à atividade da televisão ou do rádio? Por que razão as grandes empresas não poderiam divulgar ao vivo informações pelos meios de comunicação mais acessíveis às classes com menor renda, enquanto as classes com maior renda (e acesso à internet) têm tais informações disponíveis? Há, aqui, patente desproporção.

5.1 As prévias eleitorais

Segundo o art. 8º da Lei n. 9.504/1997, as prévias eleitorais "deverão ser feitas no período de 10 a 30 de junho do ano em que se realizarem as eleições, lavrando-se a respectiva ata em livro aberto e rubricado pela Justiça Eleitoral". Trata-se, desse modo, de oportunidade em que as teses eleitorais dos pré-candidatos são testadas, juntamente com sua capacidade de articulação de apoio político, no âmbito dos partidos ou das coligações. (Brasil, 1997).

Como o art. 36 da referida Lei estabelece que a propaganda eleitoral somente pode ocorrer depois de 5 de julho do ano da eleição, é imposta restrição à atividade do pré-candidato no §1° do mesmo dispositivo, de modo que, mesmo permitida 15 dias antes da prévia a propaganda intrapartidária, é "vedado o uso de rádio, televisão e outdoor". (Brasil, 1997).

A vedação insculpida no § 1° do art. 36 da Lei n. 9.504/1997 refere-se ao uso, pelo pré-candidato, como propaganda, da televisão e do rádio. Pelo que já estabelece o art. 36-A, caput e inciso I, da mesma Lei, não havendo pedido de votos e não se deixando de dar tratamento isonômico, pode o pré-candidato extrapolar os limites da visibilidade intrapartidária, para expor suas ideias "em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos". (Brasil, 2009a).

Perceba-se que o caráter restritivo dispensado pelo ordenamento às prévias eleitorais, até o advento da Lei n. 12.034/2009, era reafirmado pelo Tribunal Superior Eleitoral, o qual, na Resolução n. 23.086 de 24.3.2009, Rel. Min. Felix Fischer, asseverou que a "[...] divulgação das prévias por meio de página na internet extrapola o limite interno do Partido e, por conseguinte, compromete a fiscalização, pela Justiça Eleitoral, do seu alcance [...]", algo que se fundamentava na premissa de que "a divulgação das prévias não pode ultrapassar o âmbito intrapartidário". (Brasil, 2009a).

Mesmo antes da Lei n. 12.034/2009, entretanto, o Tribunal Superior Eleitoral não considerava que a divulgação, pelos órgãos de imprensa, especialmente rádio e televisão, do resultado das prévias eleitorais representasse propaganda antecipada. Considerava fato jornalístico afeito aos objetivos do exercício da liberdade de imprensa: "[...] A eventual divulgação, pelos veículos de comunicação, dos resultados da consulta interna, não caracteriza, em princípio, propaganda eleitoral antecipada [...]". (Brasil, 2001).

Pelo que se depreende da legislação em vigor, a restrição à atividade de imprensa, no que atinente à cobertura das prévias eleitorais, especialmente rádio e televisão, não tem qualquer limitação de forma, mas de conteúdo. A Lei n. 12.034/2009 chega a relativizar, implicitamente, a proibição de debate de ideias, nas grandes mídias, por parte de pré-candidatos, desde que seja observado o princípio da isonomia e não se peça, expressamente, votos. Permitiu-se a atividade de imprensa, quando esta representa a cobertura de fatos jornalísticos, até mesmo a divulgação do resultado das prévias. Momento em que existe um candidato escolhido pelo partido ou coligação, mas não há candidato, ainda, para efeitos eleitorais. Algo que poderia se dar com transmissão ao vivo. (Brasil, 2009a).

Assim, não se percebe uma tentativa imediata de proteção das prévias eleitorais, por restrição à atividade de imprensa, mas a tutela do princípio da isonomia entre candidatos, sem prejuízo da atividade de imprensa. Se esse segmento da sociedade puder realizar seu trabalho, sem incorrer nas vedações que a Lei lhe impõe, não há como justificar qualquer argumento de restrição à forma de atuação da imprensa.

5.2 As três máximas do princípio da proporcionalidade e o art. 3° da Lei n. 12.891/2013, que insere o parágrafo único no art. 36-A da Lei n. 9.504/1997

Sob o prisma da máxima da "adequação", o parágrafo único inserido no art. 36-A da Lei n. 9.504/1997 pelo art. 3° da Lei n.12.891/2013 implica manifesta incompatibilidade entre o fim almejado pela norma e o meio de restrição eleito. (Brasil, 2013).

A busca da paridade entre candidatos, que se reveste nas restrições impostas pela impossibilidade de propaganda eleitoral antes do período indicado pela Lei como eleitoral, revela-se como fim a ser protegido pelo conjunto dos dispositivos da Lei n. 9.504/1997 (antes e depois da Lei n.12.891/2013).

Pelo que antes se referiu, não há dúvidas de que o rádio e a televisão, como meios de comunicação social, precisam observar restrições a sua atividade, devendo tratar com paridade os candidatos e pré-candidatos, mesmo nas hipóteses em que são autorizados a promover cobertura jornalística. Os demais meios de informação, ainda que contem com maior liberdade, também não podem representar artifícios de mobilização eleitoral.

Ora, essas restrições são relaxadas pela Lei n.12.891/2013 que estabelece, por exemplo, a possibilidade de difusão de informações pela internet, de manifestações dos candidatos em redes sociais, além da própria divulgação das prévias pelas redes sociais (art. 36-A, caput e incisos I, III e V da redação atual da Lei n. 9.504/1997). (Brasil, 2013).

Ironicamente, assevera a Lei n. 12.891/2013 em análise a impossibilidade de transmissão ao vivo das prévias eleitorais por emissoras de rádio e de televisão, em nítida restrição prévia sem análise de conteúdo. (Brasil, 2013).

Essa imposição, portanto, não faz qualquer sentido, quando confrontada aos valores finalísticos que o meio escolhido deveria amparar. Pela primeira máxima do princípio da proporcionalidade, não há compatibilidade mínima entre o meio eleito e o fim que se pretende alcançar.

Por seu turno, no que é referente à máxima da "necessidade", percebe-se que não se trata de melhor opção para tutelar o fim, diante dos direitos fundamentais que afeta.

Ao estabelecer vedação de forma – de cobertura ao vivo pelas emissoras de rádio e televisão –, incorre em massiva supressão a específico e secular valor constitucional: a vedação da censura prévia de que trata o inciso IX do art. 5° da Constituição Federal. (Brasil, 1988).

Pelo uso da sistemática, o valor vedação à censura fica absolutamente esvaziado. Na verdade, vai mais longe do que o censor do período da Ditadura Militar, vez que lá se tentava fazer a escolha do conteúdo das transmissões ao vivo, com eventual liberação parcial (Aquino, 1999) 3; na Lei n. 12.891/2013, o conteúdo é irrelevante, vai, desde logo, censurado, pela vedação absoluta da sistemática de transmissão ao vivo.

Por fim, quanto à máxima da "proporcionalidade em sentido estrito", mesmo se, em tese, o meio constituísse instrumento de proteção ao fim paridade entre candidatos (o que não ocorre conforme referido), ainda assim representaria opção demasiado desproporcional.

O ordenamento jurídico já estabelece diversos instrumentos de proteção à paridade entre os candidatos, chegando a punir abusos cometidos pelos meios de imprensa que não são objeto de concessão ou permissão pública e que teriam maior liberdade, a princípio, para expor visões políticas parciais.

Destarte, também neste ponto de análise, não há como se conceber como devida a expressiva restrição que se faz à atividade de rádios e televisões.

Sistematicamente analisado a Lei n. 12.891/2013, fica evidenciada a intenção de permitir que partidos e coligações possam, na prática, difundir conteúdo eleitoral antes das eleições. Esse inegável elemento, quando confrontado com a desproporcional restrição à cobertura de rádio e televisão das prévias eleitorais, torna imperativa a conclusão de que se pretende ofuscar a atuação dos referidos meios de imprensa na difusão de informação.

Pela Lei n. 12.891/2013, não haveria qualquer possibilidade de cobertura isonômica por parte de televisão e de rádio das prévias eleitorais. Tacitamente, a aprovação do aduzido parágrafo único, implicará o reconhecimento de que a televisão e o rádio são, irremediavelmente, incompetentes ou tendenciosos para noticiar os misteriosos confrontos internos de partidos e coligações – algo que, por tudo o que se referiu, não encontra apoio na Constituição Federal.

Considerando que prevê algo com contornos absolutos, sem exceções ou alusões às hipóteses em que se mantenha a isonomia de cobertura ao vivo, é imperativo que seja considerado o disposto no parágrafo único do art. 36-A, trazido pelo art. 3º da Lei n. 12.891/2013 inconstitucional. Impõe-se que seja submetido ao controle repressivo de constitucionalidade pelo Poder Judiciário, pois, como leciona Canotilho (2003, 1227), em suas lições elementares sobre a interpretação conforme a Constituição, "[...] no caso de se chegar a um resultado interpretativo de uma norma jurídica em inequívoca contradição com a lei constitucional, impõe-se a rejeição, por inconstitucionalidade".

6 Considerações finais

Ainda que encontre respaldo na tradição liberal inglesa, no pensamento filosófico contratualista e até mesmo em declarações de direitos humanos, é possível referir que a liberdade de imprensa e de manifestação de pensamento não representa valor absoluto nem mesmo na tradição norte-americana, na qual a tutela dessa liberdade civil é de grande importância, tendo sido objeto da primeira emenda a sua constituição.

O Brasil declara o direito à liberdade de imprensa e repúdio à censura, mas não estabelece direitos absolutos na sua Constituição Federal. Impõe relativização a esses valores ao argumento da democracia e o princípio da isonomia entre candidatos no pleito eleitoral que lhe é ínsito.

Mesmo existindo diversidade de tratamento entre os meios de comunicação objeto de concessão pública, rádio e televisão, em face dos periódicos impressos (ou virtuais), durante o período do pleito eleitoral, percebe-se que nenhum deles detém irrestrita liberdade. Pela limitação ou vedação da propaganda paga, pela restrição de opção por um candidato ou pela impossibilidade de se revestirem de instrumento de panfletagem, em maior ou menor grau, têm suas atividades influenciadas pelo princípio da isonomia no pleito eleitoral. Restrição de conteúdo que é admitida como constitucional pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal Superior Eleitoral.

O Supremo Tribunal Federal tem utilizado o princípio da proporcionalidade como instrumento hermenêutico para avaliação da constitucionalidade de leis e atos normativos, de modo a harmonizar valores constitucionais impactados por uma norma.

Pela aplicação das três máximas do princípio constitucional da proporcionalidade – adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito –, é possível constatar se uma inovação legislativa, como a proposta no art. 3° da Lei n. 12.891/2013, é ou não constitucional.

No caso do parágrafo único inserido no art. 36-A da Lei n. 9.504/1997 pelo 3° da Lei n. 12.891/2013, constata-se contrariedade às três máximas do princípio da proporcionalidade e, portanto, sua inconstitucionalidade.

A tutela do princípio da isonomia entre os candidatos, em tantos aspectos relativizados pela Lei n. 12.891/2013, não é argumento hábil a justificar a vedação da cobertura das prévias eleitorais por rádio e televisão, ao vivo.

Trata-se de vedação de forma, que ignora relativizações ou temperamentos, implicando em restrição prévia à peculiar modo de atuação da televisão e do rádio. Algo análogo à censura e, alguns aspectos, mais severo, no ponto, que os modelos de restrição à atividade de imprensa que foram implementados no Brasil, pelo Regime Militar.

Em caso semelhante, no qual havia apenas restrição à forma e estilo, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, liminarmente, no controle concentrado, a inconstitucionalidade de lei.

Ao argumento de redução de custos nas campanhas eleitorais e da adaptação da realidade eleitoral à dinâmica da internet, a Lei n. 12.891/2013 insere em seu texto um inconstitucional dispositivo. Veda-se a difusão de informações relacionadas às prévias eleitorais, em rádio e televisão, impedindo que a mais genuína e tendente à isonomia das formas de cobertura jornalísticas – a realizada ao vivo – seja impossibilitada, tornando, necessariamente, permeado pelo tempo e pela influência política o trabalho da imprensa. Tudo isso, sem qualquer justificativa amparada em qualquer valor constitucional ou argumento de conteúdo.

Propõe-se, destarte, que tal dispositivo seja considerado inconstitucional, caso submetido ao crivo do controle repressivo de constitucionalidade pelo Poder Judiciário.

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Notas

1 Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the Government for a redress of grievances.

2 Art. 36-A. Não serão consideradas propaganda antecipada e poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet: I – a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico; II – a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governos ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária; III – a realização de prévias partidárias e sua divulgação pelos instrumentos de comunicação intrapartidária e pelas redes sociais; IV – a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos; V – a manifestação e o posicionamento pessoal sobre questões políticas nas redes sociais. (grifos nossos).

3 É certo que nem sempre o modelo utilizado pela censura era focado em uma qualificada análise do objeto da restrição. Por vezes restringia palavras e expressões sem qualquer conteúdo de protesto, em outros momentos, não percebia o sentido metafórico da crítica transmitida.

* Vagner Felipe Kühn
Professor de Direito Constitucional e Processual Civil na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI, Campus Frederico Westphalen, RS. Advogado, inscrito na OAB-RS sob n. 62.218, e Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil - Subseção de Palmeira das Missões - Rio Grande do Sul - para o triênio 2013-2015. Delegado da Escola Superior de Advocacia da OAB-RS, juto a Subseção de Palmeira das Missões, triênio 2013-2015. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Academia Brasileira de Direito Processual Civil - ABDPC/UNICE. Mestre em Direito pela Universidade Paranaense - UNIPAR. Pós-graduado em Direito Eleitoral pelo Verbo Jurídico-UNIASSELVI. Autor da obra: "Asserção: da teoria ao princípio de Direito Processual Civil", publicada pela Editora Nelpa, São Paulo - SP, em 2011. Membro da "Society for Empirical Legal Studies". Endereço: Av. Independência, n. 1270, sala n. 101, Palmeira das Missões – RS, CEP 98300-000. Telefones: (055) 3742-1840, (055) 84321575. E-mail: vagnerfelipekuhn@gmail.com. Currículo Lattes: lattes.cnpq.br/8446111541067200

** Maurício Zandoná
Mestre em Direito Processual e Cidadania pela Universidade Paranaense - UNIPAR. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade de Itapiranga - FAI. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo - UPF. Advogado, inscrito na OAB-RS sob n. 71.647. Professor de Direito Civil e Processo Civil na Universidade Regional Integrada do Alto Uruaguai e das Missões - URI, Campus Frederico Westphalen, RS. Endereço: Rua Sete de Setembro, n. 283, Palmeira das Missões – RS, CEP 98300-000. Telefones: (055) 3742-6813, (055) 99693246. E-mail: itiozandona@hotmail.com. Currículo Lattes: lattes.cnpq.br/7347518198616974



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